quinta-feira, 28 de junho de 2012

Comissão científica desestimula mulheres a se envolverem por ciência

A ideia inicial era que eu dissertasse sobre o video e as medidas tomadas sobre ele. Mas um blog que acompanho há certo tempo, o  Escreva Lola Escreva conseguiu resumir tudo o que eu poderia comentar sobre antes mesmo que eu desse fim a leitura da notícia. Os link serão devidamente divulgados e espero que concordem ou não, haja comentários, para que o assunto não caia no esquecimento e que nós, mulheres - e homens também - saibamos manter um diálogo livre de preconceitos de gênero.
"O vídeo foi feito pela comissão europeia para não motivar garotas a se tornarem cientistas. 
O vídeo original foi removido após um bocado de comentários negativos. Antes de ser retirado, a descrição dizia (minha tradução): “Ciência: é coisa de menina! Da cosmética à química, da moda à biologia, do ritmo à eletrônica, as meninas são capazes de serem bem sucedidas na ciência. Ponham os seus óculos de laboratório e vejam a ciência com um outro olhar!!!” Três pontos de exclamação. Eles não economizaram mesmo! E alguém me explica o clima retrô dos anos 80? As intenções são maravilhosas, mas de boas intenções o inferno sabe como terminar a frase. É verdade que temos uma grande deficiência de mulheres (e, imagino, de negros) em profissões que, em inglês, são chamadas de STEM (science, technology, engineering, math). Calcula-se que, nos EUA, apenas 25% das vagas nessas áreas sejam ocupadas por mulheres. Existe toda uma mitologia que meninas não gostam, ou são ruins, nessas áreas. Esse mito érefutado pela própria ciência, que comprova que o desempenho de meninas e meninos em matemática e ciências é equivalente.
Mas crianças são inteligentes e antenadas, e percebem o que a sociedade espera delas. O incentivo que um menino recebe de seus pais e professor@s para gostar de matemática é diferente do incentivo que a menina vai receber. Aliás, é bem provável que a menina aprenda que essas áreas são masculinas, coisa de menino. É uma profecia que se realiza: se uma menina ouve que não é boa em matemática antes de fazer um teste, ela realmente se sairá pior. Pesquisador@s chamam isso de "ameaça dos estereótipos".
Por isso é tão danoso que um vídeo que queira motivar meninas a se interessar pela ciência use uma expressão como “coisa de meninas”. Um dos pontos que feministas e educador@s conscientes lutamos é pela derrubada de estereótipos. Não queremos que o mundo seja dividido em coisas pra meninas e coisas pra meninos, porque tal divisão limita ambos os gêneros. 
E, claro, também é péssimo que “coisas pra meninas” sejam as de sempre, aquelas que a mídia nos vende tão bem: roupas, sapatos, desfiles de moda, esmalte, penteados, maquiagem... Esse já é justamente o universo de boa parte das meninas. E não faz com que elas queiram se tornar cientistas! Faz com que queiram se tornar misses e top models. Que é, por sinal, com o que parece o vídeo: uma convocação para virar modelo.

Dr. Meghan Gray
A recepção ao vídeo foi tão negativa que gerou algumas respostas. Aqui uma astrônoma, a Dr. Meghan Gray, explica seu desapontamento com a propaganda. Não tem nada a ver com ser contra moda e maquiagem. Tem a ver com perpetuar estereótipos sobre o que as mulheres gostam. 
Uma resposta excelente (embora falte um pouquinho de timing cômico) ao vídeo foi esta, em que uma mulher fala de como a comissão europeia “se esqueceu” de citar mulheres cientistas importantes que fizeram e continuam fazendo descobertas científicas. Sua ironia é intercalada por dizeres cor de rosa como “A ciência é linda, tanto quanto sapatos e unicórnios!”. Ela termina: “Obrigada, comissão europeia, por lembrar a nós mulheres porque entramos na ciência em primeiro lugar, e por inspirar toda uma nova geração de meninas a fazer o mesmo -– ou seja, a usar roupas difíceis e perigosas num laboratório, ou a ser encarada por um homem com um microscópio”. Pois é, o que diachos o male gaze tá  fazendo até num comercial pra incentivar meninas a serem cientistas?
O que pode fazer com que meninas queiram ser cientistas é uma mudança na sociedade. Uma mudança na divisão por gêneros que o vídeo tenta perpetuar. É importante ter mulheres cientistas dando palestras em escolas e universidades. É importante que as escolas tenham feiras de ciências, e que a participação de alun@s seja encorajada, em vez de reprimida. É importante que sejam feitos filmes e séries e novelas com cientistas mulheres. 
Mas, repito: o mais importante é acabar com estereótipos de gênero. O excelente documentário Miss Representation mostra como se preocupar demais com o visual faz meninas terem receio de falar em público e de assumirem posições de poder, porque sabem que serão sempre julgadas pelo sua aparência.
Um estudo recenteda Universidade de Michigan diz que, apesar dos campos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática serem vistos como não-femininos, “femininizar” essas áreas fazdiminuir o interesse de meninas na ciência: "Apesar das boas intenções, tentativas de glamurizar mulheres cientistas podem ser menos motivantes para meninas que mulheres cientistas mais 'cotidianas'", dizem as pesquisadoras. O estudo parece uma resposta ao vídeo, mas ele é anterior. Foi publicado em abril, e revela que "femininizar" a profissão é contraproducente para atrair meninas para a carreira científica.
Outro dia vi um estudo (que não vou encontrar agora; este é parecido, mas não é o mesmo) com meninas que tinham que provar roupa. Era assim: uma por uma, individualmente, um grupo de meninas ouvia que teria que provar um suéter. Enquanto esperava, essa menina resolvia exercícios de matemática. Em outro grupo, a menina ouvia que teria que provar um biquíni. Enquanto esperava, resolvia exercícios de matemática. Adivinha o grupo que se saiu melhor nos exercícios de matemática? As meninas que teriam que vestir um suéter. As que teriam que vestir um biquíni ficavam ansiosas e preocupadas demais com sua forma física, e isso interferia nas suas habilidades intelectuais.
O que isso prova? Não, não prova que meninas que ficam lindas num biquíni não têm condições de entender matemática. Ou que meninas "feias" tenham uma grande carreira pela frente na ciência. Nada disso. O estudo prova apenas que o modo que a sociedade faz com que as meninas pensem sobre seus corpos afeta a autoestima dessas meninas. E que uma autoestima baixa interfere em todas as áreas da vida. Opa, eu usei a palavra apenas? Pois é. É apenas isso que ser obcecada pela aparência faz."
Preciso dizer mais alguma coisa?

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