A ideia inicial era que eu
dissertasse sobre o video e as medidas tomadas sobre ele. Mas um blog que
acompanho há certo tempo, o Escreva Lola Escreva conseguiu
resumir tudo o que eu poderia comentar sobre antes mesmo que eu desse fim a
leitura da notícia. Os link serão devidamente divulgados e espero que concordem
ou não, haja comentários, para que o assunto não caia no esquecimento e que
nós, mulheres - e homens também - saibamos manter um diálogo livre de
preconceitos de gênero.
"O vídeo foi feito pela comissão
europeia para não motivar garotas a se tornarem cientistas.
O vídeo original foi removido após um bocado de comentários
negativos. Antes de ser retirado, a descrição dizia (minha tradução): “Ciência:
é coisa de menina! Da cosmética à química, da moda à biologia, do ritmo à
eletrônica, as meninas são capazes de serem bem sucedidas na ciência. Ponham os
seus óculos de laboratório e vejam a ciência com um outro olhar!!!” Três pontos
de exclamação. Eles não economizaram mesmo! E alguém me explica o clima
retrô dos anos 80? As intenções são maravilhosas, mas de boas intenções o
inferno sabe como terminar a frase. É verdade que temos uma grande deficiência
de mulheres (e, imagino, de negros) em profissões que, em inglês, são chamadas
de STEM (science, technology, engineering, math). Calcula-se que, nos EUA,
apenas 25% das vagas nessas áreas sejam ocupadas por mulheres. Existe toda uma
mitologia que meninas não gostam, ou são ruins, nessas áreas. Esse mito érefutado pela própria ciência, que comprova que o desempenho de
meninas e meninos em matemática e ciências é equivalente.
Mas crianças são
inteligentes e antenadas, e percebem o que a sociedade espera delas. O
incentivo que um menino recebe de seus pais e professor@s para gostar de matemática é
diferente do incentivo que a menina vai receber. Aliás, é bem provável que a
menina aprenda que essas áreas são masculinas, coisa de menino. É uma profecia
que se realiza: se uma menina ouve que não é boa em matemática antes de fazer
um teste, ela realmente se sairá pior. Pesquisador@s chamam isso de
"ameaça dos estereótipos".
Por isso é tão danoso que um vídeo que queira motivar
meninas a se interessar pela ciência use uma expressão como “coisa de meninas”.
Um dos pontos que feministas e educador@s conscientes lutamos é pela derrubada
de estereótipos. Não queremos que o mundo seja dividido em coisas pra meninas e
coisas pra meninos, porque tal divisão limita ambos os gêneros.
E, claro, também é péssimo que “coisas pra meninas” sejam as
de sempre, aquelas que a mídia nos vende tão bem: roupas, sapatos, desfiles de
moda, esmalte, penteados, maquiagem... Esse já é justamente o universo de boa
parte das meninas. E não faz com que elas queiram se tornar cientistas! Faz com
que queiram se tornar misses e top models. Que é, por sinal, com o que parece o
vídeo: uma convocação para virar modelo.
Dr. Meghan Gray |
A recepção ao vídeo foi tão negativa que gerou algumas
respostas. Aqui uma astrônoma, a Dr. Meghan Gray, explica seu desapontamento com a propaganda.
Não tem nada a ver com ser contra moda e maquiagem. Tem a ver com perpetuar
estereótipos sobre o que as mulheres gostam.
Uma resposta excelente (embora falte um pouquinho de timing
cômico) ao vídeo foi esta, em que uma mulher fala de como a comissão europeia “se esqueceu”
de citar mulheres cientistas importantes que fizeram e continuam fazendo
descobertas científicas. Sua ironia é intercalada por dizeres cor de rosa
como “A ciência é linda, tanto quanto sapatos e unicórnios!”. Ela termina: “Obrigada,
comissão europeia, por lembrar a nós mulheres porque entramos na ciência em
primeiro lugar, e por inspirar toda uma nova geração de meninas a fazer o mesmo
-– ou seja, a usar roupas difíceis e perigosas num laboratório, ou a ser encarada
por um homem com um microscópio”. Pois é, o que diachos o male
gaze tá fazendo até num comercial pra incentivar meninas a serem
cientistas?
O que pode fazer com que meninas queiram ser cientistas é
uma mudança na sociedade. Uma mudança na divisão por gêneros que o vídeo tenta
perpetuar. É importante ter mulheres cientistas dando palestras em escolas e
universidades. É importante que as escolas tenham feiras de ciências, e que a
participação de alun@s seja encorajada, em vez de reprimida. É importante que
sejam feitos filmes e séries e novelas com cientistas mulheres.
Mas, repito: o mais importante é acabar com estereótipos de
gênero. O excelente documentário Miss
Representation mostra como se preocupar demais com o visual faz
meninas terem receio de falar em público e de assumirem posições de poder,
porque sabem que serão sempre julgadas pelo sua aparência.
Um estudo
recenteda Universidade de Michigan diz que, apesar dos campos de ciência,
tecnologia, engenharia e matemática serem vistos como não-femininos,
“femininizar” essas áreas fazdiminuir o interesse de meninas na ciência:
"Apesar das boas intenções, tentativas de glamurizar mulheres cientistas
podem ser menos motivantes para meninas que mulheres cientistas mais
'cotidianas'", dizem as pesquisadoras. O estudo parece uma resposta ao
vídeo, mas ele é anterior. Foi publicado em abril, e revela que
"femininizar" a profissão é contraproducente para atrair meninas para
a carreira científica.
Outro dia vi um estudo (que não vou encontrar agora; este é
parecido, mas não é o mesmo) com meninas que tinham que provar roupa. Era
assim: uma por uma, individualmente, um grupo de meninas ouvia que teria que
provar um suéter. Enquanto esperava, essa menina resolvia exercícios de matemática.
Em outro grupo, a menina ouvia que teria que provar um biquíni. Enquanto
esperava, resolvia exercícios de matemática. Adivinha o grupo que se saiu
melhor nos exercícios de matemática? As meninas que teriam que vestir um
suéter. As que teriam que vestir um biquíni ficavam ansiosas e preocupadas
demais com sua forma física, e isso interferia nas suas habilidades
intelectuais.
O que isso prova? Não, não prova que meninas que ficam
lindas num biquíni não têm condições de entender matemática. Ou que meninas
"feias" tenham uma grande carreira pela frente na ciência. Nada
disso. O estudo prova apenas que o modo que a sociedade faz com que as meninas
pensem sobre seus corpos afeta a autoestima dessas meninas. E que uma
autoestima baixa interfere em todas as áreas da vida. Opa, eu usei a palavra apenas?
Pois é. É apenas isso que ser obcecada pela aparência faz."
Preciso dizer mais alguma coisa?
Nenhum comentário:
Postar um comentário